Crítica: Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi (2017, de Dee Rees)



O Mississipi foi um dos estados mais ineficazes na dessegregação racial das instituições de ensino (e porque não dizer da sociedade). Vale lembrar, que foi lá que um aluno negro foi o primeiro a ser admitido na Universidade do Mississipi, causando com isso um motim que resultou na morte de duas pessoas. Assim, não é difícil entender a escolha do local para o livro escrito por Hillary Jordan e que foi adaptado por Dee Rees (Pariah e Bessie) para o cinema.



Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi é um filme bastante curioso. O fato de ele começar a narrativa pelo final, te faz pensar que algum plot twist foi estragado. Você continua a assistir o filme e as 2 horas de projeção se arrastam em alguns momentos (culpa, em grande parte da Montagem, que detalharei a seguir), mas, o terceiro ato chega com tanta força na tela, causa tanto impacto e inquietação, que você começa a achar que a tensão “branda” que você percebia que se arrastou, era já absurda demais e torce para voltar para ela. O filme se passa na 2ª Guerra Mundial e conta a história de uma família branca que compra uma fazenda, que tem uma família de negros que mora em uma casa alugada na propriedade e trabalha para a família dos brancos para poder pagar as contas e o aluguel.

Seria muito simplista, e principalmente injusto, tentar resumir o filme desta forma. Mudbound trata, sobretudo, das relações humanas numa época não tão distante.


Outro ponto tocado na trama, e de forma chocante, é o stress pós traumático que uma guerra pode trazer. Jamie McAllan (Garret Hedlund de Na Estrada) e Ronsel Jackson (Jason Mitchell de Straight Outta Compton) são extremamente habilidosos ao criarem personagens que numa primeira camada, se mostram traumatizados pelo horror da guerra, e terem presenciado a morte de colegas durante as batalhas, mas, numa segunda camada, constatam que o Mississipi é um lugar menos desenvolvido, mais sombrio, e talvez mais injusto que um campo de batalha de guerra, e que mesmo com suas famílias, o ideal seria de fato estarem bem longe dali.

O papel da mulher numa sociedade tão retrograda também ganha destaque, como não poderia ser diferente. Carrey Mulligan (As Sufragistas) dá vida a Laura McAllan, num papel extremamente importante que mostra o lugar da mulher, mas, sem ser extremamente insossa a ponto de passar despercebida pela trama. Entretanto, é realmente Mary J. Blidge (Rock of Ages) quem brilha no elenco feminino, mostrando uma realidade extremamente triste sobre o que é ser uma mãe desapercebida de recursos e condições de cuidar de seus filhos integralmente – e que sente muito por isso – mas, ainda sim, tem força suficiente para cuidar de quantas pessoas forem necessárias.


Entre os homens do elenco, o destaque fica dividido entre Rob Morgan (Pariah), que da vida ao bondoso e conformado Hap Jackson, e o veterano Jonathan Banks (Better Call Saul), por seu desprezível Pappy McAllan. Seu vilão é tão perverso e ele o compõe com tanta vontade, que sinceramente, ele seguramente poderia estar em uma das vagas de ator coadjuvante nas premiações deste ano.

São tantas as camadas tratadas no filme (stress pós traumático, relações humanas, racismo, papel da mulher, seitas – mais precisamente a Ku Klux Klan), que a montagem do filme falha em manter a linearidade da história, e por vezes, você se vê imaginando onde está o restante do elenco.

Se por um lado a montagem incomoda, por outro, a fotografia de Rachel Morrison (ela foi responsável também pela fotografia de Pantera Negra), é um show a parte. São planos longos e tão belos que a vontade era de que o filme parasse para podermos contemplar. No restante do longa, a escolha das lentes sempre trazia a sensação de sujeira e lamaçal que o filme precisa passar.

Mudbound, em tradução ao pé da letra, seria algo como preso na lama, e as locações são muito eficazes em nos dar a sensação de que a lama representa tudo que impede aquelas pessoas de saírem das condições que vivem. A decisão da Dee Rees de contar a história através de voice over (quando você ouve a narração do personagem durante o filme), utilizada principalmente para o elenco negro e para o elenco feminino, é uma escolha interessantíssima, e nos deixa o questionamento se ainda nos dias atuais, todos temos a mesma voz.


Título Original: Mudbound

Diretor: Dee Rees

Elenco: Carey Mulligan, Garrett Hedlund, Mary J. Blidge, Jason Mitchell, Jason Clark, Rob Morgan, Jonathan Banks, Lucy Faust, Kerry Cahill, Kelvin Harrison, Henry Frost, David Jensen, Jason Kickpatrick e Dylan Arnold.

Sinopse: Laura se casa com Henry McAllan e sua nova família se muda para uma fazenda no delta do Rio Mississipi. Lá, uma família negra, os Jackson, são responsáveis por ajudar no trabalho pesado com o plantio e a colheita. O pai idoso de Henry, Poppy McAllan, luta para manter os privilégios dos brancos no terreno, enquanto o irmão de Henry, Jamie, desenvolve uma boa amizade com os caseiros por compartilharem traumas da guerra. Um violento conflito marca a convivência entre os McAllan e os Jackson.

Trailer


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