Crítica: Vândalo Americano (1º Temporada)

Não é sempre que somos pegos de surpresa (ou fisgados, como é o caso aqui) por um filme ou série. Na era da informação e do marketing agressivo, é muito fácil para os estúdios e produtoras divulgar seus materiais de forma a atrair o público que com certeza gostará do produto. Imagine minha surpresa, então, ao perceber que caí no bom e velho bait quando abri minha conta da Netflix para assistir uma série descompromissadamente e encontrei muito mais do que esperava inicialmente.

Estou me referindo, é claro, a Vândalo Americano, nova série da Netflix. Trata-se de um mockumentary (ou documentário falso) sobre uma escola na qual, certo dia, alguém picha desenhos de pênis em todos os 27 carros de professores, apagando também as gravações das câmeras de segurança. As suspeitas logo caem sobre o garoto mais problemático do colégio, Dylan Maxwell, que, convenientemente, sempre demonstrou uma certa obsessão por desenhar genitálias masculinas. Todo o processo de acusação é muito nebuloso, então, Peter Maldonado, cineasta amador, decide filmar um documentário junto com seu melhor amigo, Sam Ecklund, investigando quem realmente é o responsável por tal façanha; o trabalho de Peter é o que o espectador presencia.
Se a sinopse te parece boba demais, é porque é; a série é uma espécie de paródia de seriados de investigação com casos reais como Making a Murderer, de longe seu maior alvo de chacota. Maldonado é relativamente talentoso com os enquadramentos e a edição, então, durante todas as mais de 4 horas de duração ficamos com a sensação de estarmos presenciando um verdadeiro documentário, pelo menos na parte técnica. Não se trata de uma grande piada feita por adolescentes rebeldes tentando se passar por cineastas, o que até seria engraçado nos primeiros minutos, mas, sim, do esforço de alguém para criar algo verdadeiramente informativo.

É justo esse enorme contraste entre o conteúdo e a execução que cria grande parte da graça de Vândalo Americano. Por um lado assistimos o genuíno esforço do protagonista de criar um documentário profissional: a montagem na forma como ele intercala entrevistas com planos abertos e a entrega de informações através de várias fontes ao mesmo tempo são particularmente impressionantes. Por outro lado, temos a história de um adolescente sendo acusado de desenhar pênis em carros. A série repete vários clichês do gênero, como armar uma armadilha para um suspeito e filmar de longe, entrevistar alguém com a câmera escondida em uma bolsa e criar animações 3D para ilustrar uma sequência de acontecimentos; a diferença é que os personagens levam situações ridículas completamente a sério enquanto narram suas descobertas, o que cria várias piadas genais.

Os atores funcionam muito bem para o que são solicitados: os adolescentes entrevistados e investigados são superficiais, engraçadinhos e estereotipados; as atuações são convincentes apenas até o ponto de tornar os personagens críveis, não cruzando a linha que os faz perder sua caricatura e, consequentemente, graça. A exceção são os adultos, principalmente professores, para os quais é reservado uma posição de vilania e seriedade; vilania essa comum em histórias centradas em crianças e adolescentes. A exceção da exceção é o professor de história, engraçadíssimo como uma crítica aos educadores que fazem de tudo para agradar os alunos.

E é claro que, sendo os protagonistas e 90% dos presentes no documentário adolescentes, o humor nem sempre será do mais alto nível. Não apenas de graça a partir do contraste vive Vândalo Americano, é bom você se preparar para muitas piadas envolvendo partes físicas do corpo humano, excrementos e sexo. Nem sempre, entretanto, a graça está apenas no ato em si, mas algumas vezes no simples fato de que ele ocorreu; logo, mesmo que o espectador não considere alguém peidando na cara de uma criança engraçado, este pode achar interessante a reação dos personagens como se fosse a coisa mais hilária do mundo.

Apesar disso, o roteiro da série, em relação à narrativa, se leva bem a sério; temos então personagens divertidos em situações engraçadas, passando pelo filtro do documentário “profissional” e, ainda por cima, envoltos em uma história muito bem contada pelos roteiristas através de revelações sincronizadas no momento certo. Algumas pistas espalhadas que te fazem acreditar que está solucionando o problema em um ritmo muito bem planejado: mesmo que em alguns momentos os protagonistas acreditem chegar em um beco sem saída, a história não para e logo novas informações são captadas. Certamente o fato de que o seriado possui apenas 8 episódios de 30 a 40 minutos ajuda, o espectador não cansa pois permanece intrigado tanto pelo roteiro quanto pela sensação sempre presente de que “falta apenas alguns episódios”. Desnecessário comentar que recomendo a série fortemente.


SPOILERS COM RELAÇÃO À DIREÇÃO QUE A SÉRIE TOMA ADIANTE
O mais surpreendente de tudo, na verdade, que me levou a escrever o primeiro parágrafo desta crítica e que separa Vândalo Americano de uma sitcom qualquer, é a virada repentina na atmosfera e tom nos episódios finais desta temporada, e o quanto esta reviravolta funciona na narrativa, mesmo que essencialmente separe o seriado em dois. Conforme o documentário de Peter progride e ganha mais popularidade, os alunos e professores da escola começam a levá-lo mais a sério enquanto o protagonista se deixa levar pela ambição de contar uma história desse tamanho.

O que temos, então, é quase que uma pausa no humor (não uma pausa completa, pois ainda se encontra) e um foco bem maior no drama dos personagens e o modo como o trabalho de Peter vem afetando a vida deles. Há discussões interessantíssimas sobre privacidade, confiança e até onde é possível ir apenas para encontrar a verdade. As atuações de repente perdem seu valor completamente caricatural e revela pessoas de verdade enfrentando problemas sérios; o melhor é que tudo isso é completamente explicável pela simples lógica de que ninguém acreditava no poder do documentário a princípio e, após algumas decisões com consequências realmente graves, o roteiro decide que é hora de passar sua mensagem.

Este é o momento em que Vândalo Americano realmente merece a nota que receberá aqui; a série é divertidíssima sim, porém sua conclusão é de uma sensibilidade sem tamanho. Os personagens que antes serviam apenas comicamente ganham um peso emocional maior, ironicamente pelas mesmas razões que te fizeram rir a princípio. A história fecha com uma sequência de acontecimentos simples porém que te fazem pensar sobre os papéis que a sociedade impõe sobre os adolescentes e o modo como julgamos aos outros sem conhecê-los, e é apenas justo que uma narrativa aparentemente bobinha entregue sua mensagem ao “enganar” o espectador dessa forma.


Título Original: American Vandal

Criação: Dan Perrault, Tony Yacenda.

Elenco: Tyler Alvarez, Griffin Gluck, Jimmy Tatro, Camille Hide, Eduardo Franco, Lukas Gage.

Sinopse: Era um dia comum em uma escola de ensino médio dos Estados Unidos até que alguém decide pichar 27 carros estacionados no local. O ato abalou a escola e custou caro: o estudante Dylan Maxwell (Jimmy Tatro) é expulso do colégio por seu suposto comportamento. Resta saber se ele foi realmente o autor do crime.

Trailer:


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