Crítica: Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017, de Fabrício Bittar)

Muita gente diz que o humor está
perdendo a graça porque se rendeu ao “politicamente correto”. É muito comum nos
depararmos com o que achamos ser uma patrulha que vem, cada vez mais, com a
tendência de ditar uma série de limites absolutos do que se pode ou não usar
como pretexto para uma piada. Mas como tudo é na realidade, nada é tão simples
de ser reduzido a dois extremos. A verdade é que o humor é bom quando consegue
ser engraçado (obviamente) e quando consegue flertar com o “politicamente
incorreto” de maneira que se diferencie da humilhação e dos avanços naturais
dos valores das novas gerações, mesmo que estes venham a desagradar quem acha
que as coisas simplesmente não evoluem.



Pois para mim, essa linha que
separa as duas coisas é fina e sua manipulação é diretamente proporcional ao
talento de quem se pretende abordá-la. Um exemplo claro é o especial Live At The Beacon Theater, do
excepcional Louis Ck. Em um trecho do stand-up,
o comediante conta uma história hilária de 10 minutos sobre como ele odeia um
garoto de 6 anos, colega de turma da escola de suas filhas pequenas.
Aparentemente, deveríamos sentir certa aversão de ver um adulto de mais de 40
anos descrevendo diversas maneiras sobre como ele destruiria a vida da criança,
mas, ao final, notamos que não estamos rindo do alvo (a criança), e sim da
própria imagem que o humorista construiu especificamente para que ríssemos
dele, e não da criança.


Essa habilidade, infelizmente,
ainda parece ser mais rara de ser encontrada quando vemos outros artistas de stand-up fazerem piadas com qualquer
tipo de alvo sem se preocupar de maneira nenhuma com o efeito ou com a eficácia
do riso. Claro, cada um sabe do que acha graça e não cabe a nós delimitar o
humor dos outros, o que me leva, finalmente, ao filme Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, adaptado do livro homônimo
do apresentador e comediante Danilo Gentilli. Narrando as aventuras do período
escolar de Pedro (Daniel Pimentel) e Bernardo (Bruno Munhoz), o filme conta
como os dois alunos resolvem se revoltar contra a regras da escola a fim de
conseguir nota para passar de ano. Para isso, encontram um livro escondido no
banheiro escrito por um ex-aluno (Danilo Gentilli) repleto de instruções de
como se tornar um péssimo aluno. Cada vez mais influenciados, os dois começam a
aprender todo tipo de subversão enquanto tentam se esquivar da vigia constante
do diretor da escola, Ademar (Carlos Villagrán).



A intenção aqui não é outra senão
uma homenagem romantizada aos tempos de escola do autor. Assim como tantos
outros filmes e diretores fizeram sob outros estilos e premissas, as histórias
que relembram a infância guardam grande potencial para cativar a memória de
qualquer um que tenha ultrapassado uma geração inteira. Mas é necessário
salientar que o “romantizar”, nesse caso, é num sentido mais amplo, já que ser
o “pior aluno” aqui é visto como uma qualidade. Nesse sentido, o filme consegue
se equilibrar durante algum tempo entre a simples representação de uma época e
idade onde a falta de maturidade permitia exageros e entre uma mensagem que
insiste em ignorar a evolução que tivemos em relação ao que se dizia e se fazia
há 20 anos.


Convenhamos, o que parece exagero
e maldade em relação ao que vemos no filme era uma realidade para muita gente,
seja de qual “lado” você estivesse. O filme, dentre outras coisas, não hesita
em mostrar que ser pré-adolescente num passado até recente soaria quase como um
filme de terror para muita criança de hoje em dia. Os apelidos maldosos, as
brincadeiras perigosas, os machucados e a falta de preocupação com seus efeitos
ao longo dos anos é uma representação do que acontecia, quer você goste ou não.
Se você aceitar o fato, vai conseguir dar algumas risadas com a narrativa, que
é até eficiente em permitir que achemos graça de algumas situações que, normalmente,
tentaríamos reprimir na vida real. Se um filme é uma janela de 2 horas para a
imaginação, não é certo excluir abordagens polêmicas em nome de respeitar o
“politicamente correto”, sob pena de se limitar a arte e, consequentemente, a
tornando imune às reflexões.



E para quem é mais velho, há,
certamente, qualidade técnica no filme em mostrar uma época familiar para os
que tem mais de seus 30 anos. A ambientação – ao menos quando não se envereda
para o fantástico e o exagero – remete bem às escolas do final do século passado
(quanto tempo!). A sensação é de que estamos realmente revisitando uma idade
cheia de lembranças (boas ou ruins) e com inerente capacidade de despertar
nossa nostalgia, ainda mais se passando em uma realidade brasileira. Fora isso,
a narrativa comandada por Fabrício Bittar (Politicamente
Incorreto)
é calcada num ritmo frenético de uma montagem que preza a
dinâmica das gags visuais e diálogos rápidos, remetendo a uma direção que se
aproxima mais das comédias americanas do que os exemplares lamentáveis
produzidos pela Globo todo ano.


O elenco adolescente merece
reconhecimento. Pimentel e Munhoz conseguem dar a Pedro e Bernardo carisma
suficiente para que gostemos de suas figuras, o que acaba “nos enganando” a
defendê-los em seus piores momentos (mérito do filme e das atuações). Outro
destaque são as ótimas participações de Moacyr Franco como o zelador mais
“sem-noção” que você verá esse ano. Já Carlos Villagrán, nosso eterno Quico,
oscila entre a paródia e o exagero, por vezes fazendo com que seu personagem
fique irritante, e Danilo Gentilli… bem, interpreta ele mesmo e serve mais
como uma ponte de auto referência com o público – por exemplo, quando quebra a
quarta parede para fazer piada com a qualidade do próprio filme, o que funciona
no começo, mas depois vai se transformando em auto indulgência pela falta de um timing cômico visual um pouquinho mais
cuidadoso.  



Porém, se por um lado o filme
acerta no seu tom sarcástico e que não o impede de rir de si mesmo várias
vezes, por outro tudo começa a se complicar quando a moral do filme justifica
toda sua abordagem apoiada numa mensagem problemática: de que se você realmente
sofreu com as perseguições na época da escola, a culpa é mais sua, e não dos
outros. Ok, poderíamos até justificar a mensagem dizendo que tudo que você se
tornou na vida, inclusive suas qualidades, é fruto do quanto você atravessou. Só
que o filme se esquece que as pessoas são diferentes e é fácil falar que você
“exagerou” em problematizar o bullying quando você estava somente de um lado; e
mais, é um erro comum tentar atribuir nossas lições ao longo da vida a
pré-adolescentes, como se estes tivessem a mesma maturidade e experiência de um
adulto. Não há uma preocupação em delimitar um limite que separa o “ora, apelido ruim e briga na escola todo
mundo teve
” e “aquela garota se matou
depois de anos sendo perseguida nas redes sociais
”. Sim, os autores
defendem que não deveria haver um limite, mas é fato indiscutível que ele
existe e é extremamente prejudicial para uma boa parte dos alvos (só ver o
ótimo documentário Audrie & Daisy,
disponível na Netflix). 



Há piadas engraçadas no filme,
mas há também outras que perigosamente justificam suas intenções, principalmente
por uma inabilidade em dosar a linha sobre a qual discuti anteriormente (lembro aqui de um segmento bem desnecessário envolvendo Fábio Porchat). Até
quando o humor só está servindo para mirar o mesmo alvo de sempre, sem que se
separe a graça do ataque gratuito? Assim como se diz no filme, algumas pessoas
não precisam ser o que o sistema escolar
e os outros querem que elas sejam
”. Para isso, basta ser “o pior aluno”. O
filme não fez muita questão de mostrar outras definições para esse “pior”. Só
espero que quem o assista, seja capaz de fazê-lo melhor.  



Título Original: Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola

Direção: Fabrício Bittar

Elenco: Bruno Munhoz, Daniel Pimentel, Carlos Villagrán, Danilo Gentilli, Moacyr Franco, Raul Gazolla, Joana Fomm, Fábio Porchat

Sinopse: Bernado (Bruno Munhoz) e Pedro
(Daniel Pimentel) são estudantes e enfrentam as clássicas tarefas de cumprir as
obrigações escolares, tirar boas notas, ter bom comportamento e cumprir as
regras da escola, cada vez mais elaboradas graças ao diretor Ademar (Carlos
Villagrán). Frustrados, Pedro acaba encontrando um diário de como provocar o
caos na escola sem ser pego, o que leva os dois amigos a seguirem as dicas do
caderno.

Trailer


Vamos lá leitor! Depois de chegar da sessão, nos conte o que achou do filme e obrigado pela leitura 🙂

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