Crítica: Amores Canibais (2017, de Ana Lily Amirpour)

Sociedades distópicas sempre foram um tema constante no cinema e literatura e é fácil perceber a razão: a história, no caso, não funcionaria apenas como ficção, mas como um aviso do que há por vir para a humanidade. Os elementos que definem o tipo de comunidade nestas obras são quase sempre excesso de burocracia, elitismo, desigualdade social e opressão contra as minorias; não é coincidência, estes elementos são retratados porque a arte nada mais é do que um reflexo da vida real.

Amores Canibais, escrito e dirigido pela iraniana Ana Lily Amirpour, se baseia quase que inteiramente neste conceito de que a mensagem seria tão importante quanto (ou mais) do que a narrativa em si. Já no início do filme somos jogados no meio da situação sem entender direito o que está acontecendo: acompanhamos a garota interpretada por Suki Waterhouse enquanto ela é deixada em um deserto que, somos informados através de uma placa, não faz parte legalmente dos EUA. A personagem não pode voltar, pois uma grade a impede, entretanto está calma e parece já ter se contentado com isso.

Descobrimos, então, que a locação nada mais é do que uma espécie de “lixão da sociedade”, onde os governantes deixam os cidadãos incômodos, criminosos ou aparentemente sem função; daí o título original The Bad Batch, que em tradução livre seria algo como “o lote estragado”, expressão usada para denotar os excluídos pela sociedade na obra. Os infelizes então formam uma pequena cidade dentro do deserto, Conforto; quem não faz parte acaba sofrendo para sobreviver, tendo que apelar até para canibalismo na infinidade de areia em que se encontram.


O roteiro não é necessariamente original, esse conceito da sociedade trancando a “escória” para dar uma impressão melhor (apesar de falsa) para si mesma já foi bastante utilizada antes e os próprios cenários, figurinos e direção de arte lembram bastante os da franquia Mad Max; agora, infelizmente, com aquela paleta de cores naturalizada sem graça da maioria dos filmes originais Netflix, que deixa de lado aquela sensação de energia e isolamento perfeitamente transmitida por George Miller.

Essa é a maior impressão que a obra passa, na verdade: tenta entregar diversas críticas sociais na forma de alegorias ou na cara dura mesmo, porém todas elas soam ou genéricas demais ou repetições de mensagens entregadas (de forma melhor) por outros filmes. Não há nem um foco em nenhuma metáfora em específico, todas são entregadas e passadas por cima, o que acaba contribuindo para a falta de desenvolvimento ou às vezes até em confusão moral: em um certo momento é traçado um paralelo entre os excluídos da Conforto e refugiados de países carentes, evidenciando um olhar preconceituoso que os privilegiados têm deles, o que até faria sentido se o próprio filme não desse motivos justificáveis para o preconceito.


Ora, se as críticas sociais não acrescentam em nada no espectador, pelo menos o filme entretém? Como mencionado anteriormente, Ana Lily está muito mais preocupada com os tais “alertas à humanidade” do que com a narrativa de sua obra; já que essa parte falha, o resultado final é fraquíssimo. O roteiro, pelo ponto de vista de personagens e acontecimentos, é muito pobre: o romance é ridículo e é quase impossível, por exemplo, se importar com a protagonista no primeiro ato enquanto ela sofre uma série de desgraças em um nível tão exagerado que se torna quase cômico. Após sofrer, ela precisa se adaptar à nova situação, geralmente uma das partes mais interessantes narrativamente falando, e o filme resolve pular 5 meses pra frente!?

Os atores, aliás, também não ajudam a solidificar seus personagens: Suki interpreta a protagonista de forma preguiçosa, suas reações a eventos menores são fracas e ela é praticamente inexpressiva quando seu personagem não está sendo agredido fisicamente; Jason Momoa se resume a fazer cara de mau, como sempre; Keanu Reeves interpreta uma espécie de “político salvador da pátria” e sua canastrice está em níveis astronômicos com suas expressões frias e frases de efeito; o único que faz um trabalho minimamente interessante, não comentarei quem é pois foi pra mim uma (grata?) surpresa, é um certo ator que aparece muito pouco. 


A direção de Amirpour até possui dois ou três truques interessantes… Literalmente. Logo na primeira cena é utilizado um enquadramento em que o espectador observa um objeto estático em primeiro plano e um segundo corpo, fora de foco, viaja contra a câmera ou na direção desta; um quadro até interessante para estabelecer a ambientação, porém quando a diretora o usa pela 20º vez eu já estava de saco cheio, o que falar então do plano baixo com foco nas pernas da protagonista? A mesma coisa para o uso irônico da trilha sonora, que entrega um ritmo com uma energia oposta aos acontecimentos visuais, este não TÃO repetido, felizmente.

A repetição de usos da linguagem cinematográfica nem incomodaria tanto se a história e seu ritmo fossem interessantes, o que não acontece. A primeira metade do roteiro é terrivelmente arrastada, é uma hora de apresentação de mundo com apenas um único conflito, este durando menos de 5 minutos e praticamente ignorado durante todo o resto da narrativa. A segunda metade até apresenta um problema relacionável, apesar de clichê, quando uma criança desaparece e a protagonista deve procurá-la (do modo menos interessante possível). O terceiro ato se resume a uma crítica ao modo como as mulheres e seu dom de criar vida são tratados pela sociedade que nada tem a ver com o resto da história, e ainda por cima muito pouco desenvolvida, não havendo nem uma razão para sua inclusão.


Amores Canibais é um filme que não funciona em nível algum, suas críticas sociais não são nem inteligentes nem originais o suficiente para surpreender o espectador, sua narrativa é cansativa e os personagens nela não investem. Não direi nem que foi uma oportunidade perdida porque, sinceramente, penei para encontrar algo interessante até no próprio conceito da obra.





Título Original: The Bad Batch


Direção: Ana Lily Amirpour


Elenco: Suki Waterhouse, Jason Momoa, Jayda Fink, Keanu Reeves.


Sinopse: Em um futuro pós-apocalíptico, uma comunidade de canibais leva uma vida pacífica em um terreno isolado no Texas. Tudo muda quando um musculoso membro do clã decide brincar com a comida… e acaba se apaixonando.

Trailer
Não, não precisa deixar sua opinião aí nos comentários porque você não precisa ver esse filme; a vida é curta demais.

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