Crítica: The Get Down (de Baz Luhrmann) A esnobada série musical da Netflix!



“Eu vim da cidade, sim
Ganhei meu nome na cidade, onde?
A cidade mais perigosa, vamos fazer voltar
Voltar no tempo
1977, era o auge do crime
O presidente nos negligenciava
Ele e seus 6 ministros
Seis poderosos homens colocaram Nova Iorque
Em tempos drásticos
Os ricos e egoístas se alimentavam
Do bem-estar dos outros
E quem sofreu mais?
Hmm onde eu nasci
O Bronx”

The Get Down foi a série original Netflix mais cara até então, e curiosamente foi um fracasso, com muito pouco retorno de audiência, infelizmente. Tal fracasso deve-se ao fato de ser uma série musical, um gênero quase extinto e que até no cinema não faz mais sucesso, apesar dos recentes estouros de La La Land e A Bela e a Fera. A trama traz a jornada de um grupo musical de hip hop, nas turbulências do Bronx nos anos 70, com muito movimento black e representatividade. Não deixe esta sinopse e o fato de ser um musical te espantar, The Get Down é uma das melhores séries que a poderosa Netflix já trouxe, de um poder rítmico e artístico riquíssimo. Uma verdadeira injustiça o fracasso desta, que veio acompanhando de seu cancelamento (sim, teremos somente esta 1° temporada). Diferentemente das demais séries da empresa streaming, que saem com toda temporada de uma vez ou tem um episódio liberado por semana, esta foi lançada em duas partes: 1° metade em Setembro de 2016 e a 2° metade em Abril de 2017. Afinal, o que dizer desta obra?

Alucinante! A começar pelo trabalho de direção e montagem, que não deixa o ritmo cair nunca. São 11 episódios, com duração de 1 hora a 1 hora e meia cada um. Apesar da longa duração, todos capítulos mantém um ritmo frenético, com “um milhão de coisas acontecendo ao mesmo tempo”. A direção de grande parte da obra é do seu criador, o australiano Baz Luhrmann. Baz vem de um cinema incrível, extravagante e impactante, obras cujo visual e sonorização se destacam, vide O Grande Gatsby, Austrália e o belíssimo (e também musical) Moulin Rouge – Amor em Vermelho. O cineasta – que vinha tentando tirar o projeto do papel faz tempo – sabe dosar muito bem um visual prático e palpável, com figurinos e cenários criados de verdade, ao mesmo tempo em que utiliza em momentos discretos, cenários de computação. Porém tal uso do CGI é moderado e em lugares poluídos e sujos, aliados a gravações reais da época, que dão um senso de fidedignidade e nos transportando para o Bronx setentista. 


O roteiro também é bem executado e uma surpresa culposa. Por quê culposa? Porque consegue mesclar o lado musical (com letras que casam e explicam as cenas), com um dramalhão digno de novela (quem sabe mexicana). Todos arcos dramáticos realmente lembram um novelão, mas isto não é ruim, pois casa bem com o estilo propositalmente caricato da obra, às vezes flertando com o cartunesco e burlesco. Além de explorar o nascimento do hip hop, do movimento black, das gangues e guetos americanos, do preconceito com a minoria (negros e porto-riquenhos), dos dramas adolescentes, o preço da amizade, dos bastidores do mundo das gravadoras e musas pop, sobra espaço para cutucar a política e o extremismo religioso. Acompanhamos o protagonista Ezequiel e seu grupo, tentando sair da criminalidade e fazer sucesso com suas rimas. Enquanto isso, temos o excelente arco dramático de Mylene, namorada de Ezequiel, que canta música Gospel na igreja do pai, mas que sonha em ser uma musa pop. A partir de então, é digno de nota a ambiguidade do roteiro: ao mesmo tempo em que mostra que se alcança aquilo pelo que se luta, também mostra que o sucesso tem seu lado perigoso, amargo e que custa sacrifícios.

Esta ambiguidade permeia toda obra, todas personagens, todos os níveis que aos poucos se sobem. O crime, as drogas, as gananciosas gravadoras, tudo tem seu preço e valor a cobrar. E por mais azedos que alguns acontecimentos sejam, também recebemos o afago, o reconforto dos números musicais. As músicas são muito bem compostas, ajudam no avanço da trama e realmente embalam, com boas coreografias e sempre muito bem filmadas, sempre muito agitadas, coloridas e deliciosamente exageradas. Com toda esta mistura de elementos que citei nestes 2 últimos parágrafos, fica assim a explicação do porque da série ser eletrizante, com mais ritmo que a maioria das séries de ação que andam por aí (a maioria bem chatinha na verdade).


As atuações são ótimas. Justice Smith como Ezequiel segura muito bem o papel de protagonista, começa ingênuo e vai ganhando força. Shameik Moore é uma agradável surpresa; seu personagem é o DJ Shaolin Fantastic e ganha contornos místicos a la Bruce Lee, com momentos de kung fu e referências a histórias em quadrinhos. A belíssima Herizen F. Guardiola hipnotiza com seu carisma na pele de Mylene, onde consegue atuar apenas com o olhar e sorriso, mesclando inocência e ambição, passando de menina de igreja a mulher sexy. Outro destaque é Jaden Smith, o criticado filho de Will Smith. O jovem finalmente tem um desempenho bom, na pele de um rebelde grafiteiro. Representado pela figura de um alienígena, é uma metáfora às suas descobertas sexuais, no qual não se enquadra no padrão da maioria. No excelente elenco adulto, irei parabenizar o fantástico Giancarlo Esposito, que entrega um pastor fanático cheio de camadas e fragilidades, um papel fenomenal. 

O figurino, o cabelo, a maquiagem, a iluminação, a fotografia, o enquadramento de câmeras, tudo é muito bem criado, é chamativo e vivo, a série exala vida. Esta exuberância – às vezes pomposa – justifica o alto orçamento da obra. Ainda na fotografia, a mesma contrasta o colorido de uma cenas com o sujo do gueto, passando uma ideia de abandono. Baz Luhrmann tem este apuro artístico e transfere com respeito para sua obra. Assim, se você aprecia musicais e principalmente, qualidade acima de ação ou comédia, irá se encantar com The Get Down. O final, mesmo que deixando pontas para uma continuação que não virá, ainda assim pode ser encarado como redondo, pois há vários detalhes que podem ser assimilados ou deduzidos como conclusivos. E isto é outro acerto, pois mesmo que em aberto, o final pode ser muito bem autoexplicativo. 


Pulsando uma batida incrível, transpirando vida e diversidade, cheia de turbulência, urgência e acontecimentos da década de 70, lotada de referências a cultura pop (como HQ’s, The Warriors, Star Wars, Michael Jackson e por aí vai), cheia de simbolismos, mostra o nascimento de um gênero musical, com lições de que se perde coisas para alcançar outras, a obra entrou no hall de minhas favoritas. Bela, incrível e anárquica, como deveria ser. Uma pena não ter reconhecimento, algo que talvez daqui pra frente o tempo conserte. E enquanto muitas séries vem e vão, de tempos em tempos pararei para rever esta, me mudando temporariamente para o Bronx, vivenciando este pequeno grande conto musical.

Título Original: The Get Down


Direção: Baz Luhrmann


Elenco: Justice Smith, Shameik Moore, Herizen F. Guardiola, Jaden Smith, T. J. Brown, Skylan Brooks, Yahya Abdul-Mateen II, Jimmy Smits, Giancarlo Esposito, Mamoudou Athie, Lillias White, Zabryna Guevara, Kevin Corrigan, Daveed Diggs, Mamoudou Athie, Eric Bogosian, Renée Elise Goldsberry, Julia Garner. 


Sinopse: ambientada em Nova York durante o ano de 1977, The Get Down conta a história de como, à beira das ruínas e da falência, a grande metrópole deu origem a um novo movimento musical no Bronx, focado nos jovens negros e de minorias que são marginalizados. Entre o surgimento do hip-hop e os últimos dias da Disco Music, a história se costura ao redor das vidas dos moradores do Bronx e de sua relação com arte, música, dança, latas de spray, política, religião e Manhattan.


Trailer:







Bônus: Canção Toy Box




Imagens:























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