Crítica: O Espaço Entre Nós (2017, de Peter Chelsom)

Imagine o seguinte: você é um conhecido produtor de cinema americano que ganha a vida recrutando potenciais roteiros a fim de se tornarem grandes produções e lucrar aquela grana milionária para o estúdio. Certo dia, recebe um “pitch” (uma tentativa rápida de vender uma ideia de maneira eficaz) de um roteirista que diz ter uma excelente ideia sobre um filme que tratará de vários temas: uma ficção científica envolvendo a NASA e Marte, um drama sobre a busca de um garoto pela identidade do pai e ainda um romance adolescente com elementos de road movie. Como seu trabalho depende do potencial de bilheteria, você aceitará o projeto e colocará as pessoas certas para compô-lo. Agora se você fosse um profissional que se recusasse a comprar uma história mal desenvolvida apenas por sua grande integridade artística (isso não existe em Hollywood, mas considere para o exemplo), você provavelmente mandaria o sujeito reescrever o roteiro, já que ele falha em basicamente todos os aspectos.




O Espaço Entre Nós conta a história de Gardner Elliot (Asa
Butterfield), um adolescente e o primeiro humano a viver inteiramente em Marte
desde o nascimento. Este ocorreu quando sua mãe, uma astronauta da NASA,
descobriu estar grávida quando estava a caminho de uma expedição ao planeta.
Partindo de uma decisão do órgão – contra as opiniões de um dos idealizadores
da missão, Nathaniel Shepherd (Gary Oldman) – Elliot ganha a chance de visitar
a Terra, aproveitando a oportunidade para tentar encontrar informações sobre
seu pai, contando, ainda, com a ajuda de Tulsa (Britt Robertson).


Está vendo? É uma boa premissa. Partir de um pano de fundo cientifico
para construir um drama com contornos adolescentes não é nada mau. O problema é
que o filme jamais consegue encontrar equilíbrio entre os temas que quer tratar
e, mesmo que conseguisse, não há material suficiente no roteiro para que seja
possível alguma profundidade na história. Ainda assim, se fosse possível
ignorar uma abordagem ruim, ficaria difícil tentar encarar o filme até como
passatempo, já que sua estrutura se baseia numa série de inverossimilhanças que
tornam difícil nossa suspensão de descrença se equilibrar num fiapo de linha.



Escrito por Allan Loeb (Esposa de Mentirinha e Coincidências
do Amor
), o roteiro de O Espaço Entre Nós já dá a pista de como nós, os
espectadores, vamos questionar o que estamos vendo desde o início, e não de uma
maneira positiva. Veja só, por exemplo, como a mãe de Elliot consegue viajar
numa missão da NASA sem que ninguém perceba sua gravidez? (aqui começa a inacreditável
incompetência da agência espacial que dará as caras durante todo o filme).
Vivendo até se tornar um adolescente, Elliot vive numa grande estação em Marte
e se tornou um garoto bastante inteligente (porque viveu entre cientistas, como
o filme nos lembrará várias vezes). O único contato que ele tem com a Terra é
com Tulsa, através de um “Skype” que, surpreendentemente, não apresenta
qualquer atraso na comunicação. Aliás, como ele consegue se comunicar tão fácil
com a Terra, supondo que sua existência era um grande segredo? (ele tinha
acesso à pelo menos alguma parte da internet, já que se comunicava, sem nenhuma restrição, com uma terráquea adolescente).


E não, não estou sendo seletivo em escolher questões
científicas como incoerência do roteiro. Assim que recebe permissão para ir à
Terra, Elliot é submetido a um procedimento cirúrgico para reforçar os ossos,
já que eles se desenvolveram em um planeta com a gravidade menor e, portanto,
são frágeis para a da Terra (correto). O que torna incompreensível o porque dos
brilhantes médicos da NASA não terem previsto os óbvios outros problemas que
poderiam acarretar da empreitada. (e eles acontecem e são importantes para a
narrativa). Quando já no nosso planeta, o roteiro também escolhe com bastante conveniência quando Elliot saberá ou não reagir às coisas que nunca tinha visto. Por exemplo, ele sabe se virar supreendentemente bem numa fuga, mas não tem ideia do que é um cavalo (ele não passou bastante tempo num quarto com acesso à internet?).



Quando chega na Terra, Elliot logo decide ir atrás de Tulsa
e de seu pai depois de escapar facilmente da vigilância da maior agência
espacial do mundo. E aqui fica a preocupação: eu espero que a verdadeira NASA
não seja 10% tão incompetente em perseguir dois adolescentes em fuga como é a
do filme. Conseguindo desparecer facilmente em locais abertos e desprotegidos,
Tulsa e Elliot partem para uma jornada de “autoconhecimento” e romance. Na
parte do road movie é quando o filme consegue seus poucos momentos que funcionam,
mesmo que no meio destes, apareçam sequencias completamente fora do tom
(principalmente uma envolvendo um avião e explosões). Aliás, esse desequilíbrio
é o que torna difícil acreditar no roteiro de Loeb. Nos poucos momentos onde o
filme é simpático, mal dá tempo para aproveitar, já que logo em seguida somos
brindados por mais um elemento inverossímil, como aquele onde Tulsa descobre a
origem de Elliot, nos levando a crer que ela possui poderes de dedução que
dariam inveja a Sherlock Holmes.


Mas não é só no texto que O Espaço Entre Nós apresenta
problemas. As atuações no longa são complicadas onde não deveriam ser. O diretor
Peter Chelsom (Escrito nas Estrelas) parece não ter se preocupado muito em
dirigir seus atores. Asa Butterfield apresenta aqui a mesma inexpressividade
daquela vista em O Lar das Crianças Peculiares, o que é decepcionante, já que
ele se apresentou com muito mais sucesso (ainda com olhos potencialmente
expressivos) em filmes como A Invenção de Hugo Cabret e O Menino do Pijama
Listrado
. Britt Robertson se sai melhor e mostra ter um bom timing cômico e
carisma que conseguem dosar um pouco a apatia do parceiro. 





Agora falando de Gary Oldman, cujo talento é inquestionável,
há um problema do qual jamais achei que iria incomodar: seu overacting. Ora, o
ator é um dos poucos que conseguem trabalhar com maestria em diversos tons
variados de atuação, do minimalista contido (O Espião que Sabia Demais) até o ótimo
exagerado (O Profissional e O Quinto Elemento). Aqui, o diretor e o ator se
esqueceram de regular o botão da intensidade e o resultado é que Oldman
basicamente caracteriza Nathaniel num único modo o filme inteiro: gritando, se desesperando e
batendo na mesa.   


O Espaço Entre Nós, infelizmente, não consegue realizar
aquilo que o nosso roteirista imaginário quis desde o começo. No final, o filme
é apenas uma tentativa de unir uma boba história adolescente com uma suposta
abordagem de ficção científica. Não que isso fosse potencialmente ruim, mas se
um roteiro não consegue dar dois passos sem tropeçar nas incoerências, de nada
adianta aquele bom e chamativo “pitch”.





Título Original: The Space Between Us

Direção: Peter Chelsom

Elenco: Asa Butterfield, BD Wong Genesis, Britt Robertson, Carla Gugino, Gary Oldman

Sinopse: O adolescente Gardner Elliot, é o primeiro humano nascido em
solo marciano. Mas ele deseja fazer uma viagem à Terra para conhecer a verdade
sobre seu pai biológico, e sobre seu nascimento

Trailer



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