Crítica: É Apenas o Fim do Mundo (2016, de Xavier Dolan)


Vencedor do Prêmio do Júri da 24ª edição do Festival de Cannes e grande divisor de opiniões tanto da crítica como do público, É Apenas o Fim do Mundo é um dos filmes mais sufocantes e intensos do diretor canadense Xavier Dolan – conhecido principalmente por seu cinema tão característico e representativo. Contando uma história simples focada em um drama familiar, o último filme do canadense utiliza poucos cenários com detalhes escondidos em plena vista, um elenco francês de peso e pequenos excessos paradoxais – que ao mesmo tempo excedem em alguns pontos e faltam em outros. Baseando-se na peça de teatro homônima de Jean-Luc Lagarce, É Apenas o Fim do Mundo descreve uma família em tempos conturbados cujos membros ainda ressentem o passado. E o longa-metragem nos convida a dar uma pequena espiada (fora do tempo) dentro dos aposentos dessa família um tanto problemática.

Louis (Gaspard Ulliel) é um escritor com 32 anos que não vê sua família há 12 anos. Descobre recentemente que tem câncer e sente a obrigação de finalmente rever e contar à sua mãe e seus irmãos o que está acontecendo com ele. Em uma pequena revisita aos seus demônios passados e sentimentos já esquecidos, retorna à sua casa de infância com arrependimento e culpa, procurando conforto e redenção nos braços de sua família. Porém, como parece ser genético, Louis tem dificuldades em expressar livremente aquilo que sente e o que parecia ser uma reunião de laços a serem reconstruídos, torna-se em inúmeras desavenças entre Louis, seus irmãos – Suzanne (Léa Seydoux) e Antoine (Vincent Cassel) – e sua mãe Martine (Nathalie Baye). Sua cunhada que ainda não o conhece, Catherine (Marion Cotillard), parece perdida em meio aos conflitos familiares e serve como um interessante contraste de uma “outsider” na família.


Com uma carga emocional muito grande, É Apenas o Fim do Mundo se sustenta nos ácidos – porém, um tanto desprovidos de razões – diálogos entre a família. A construção de cada um deles é vaga, forçando o próprio espectador a desvendar as personalidades e motivações de cada um. É carecido de explicações do passado dos integrantes da família – como o motivo de Louis ter partido e não visitado a própria família por tantos anos, ou o porquê de Antoine ter um temperamento tão bruto e insensível com seus familiares. A ambiguidade e o exagero do roteiro – levemente típicas de Dolan, mas um pouco mais sobressaltadas aqui – servem como uma característica própria do filme como se fosse mais um personagem em cena, mas que levam muitos espectadores a terem a impressão de que há um grande vazio na história. A falta de explicações e esclarecimentos da vida da família, consequentemente remetem à falta de razões para as reações dos personagens – levando à certa dubiedade (não tão bem vinda dada a narrativa) do roteiro escrito pelo próprio Xavier Dolan.

Parecendo que todos os personagens são as formas humanas de pequenos bastões de dinamite prestes a explodir, muito da dramaticidade é colocada nas costas do elenco formado por grandes nomes do cinema francês. Gaspard Ulliel (Saint Laurent) no papel de Louis – o ponto central da história – um personagem relativamente quieto e preso em seus próprios pensamentos, entrega uma atuação diferente das que já vimos o ator fazer. Léa Seydoux (Azul é a Cor Mais Quente) como a “fechada” Suzanne e Vincent Cassel (Meu Rei) como o complicado Antoine estão confortáveis em seus papéis, sendo os principais causadores das cenas mais fervorosas. Mas no meio de boas atuações, quem realmente se destaca é Marion Cotillard (Dois Dias, Uma Noite) como Catherine, a menos “explosiva” do grupo, com uma atuação expressivamente resguardada e um tom de voz cuidadosamente atópico. As cenas de maior tensão entre os familiares não parecem histéricas, se configurando de maneira apenas humana. Quem nunca extravasou seus sentimentos mais pesados e guardados como rancor, ressentimento, raiva e dor? É Apenas o Fim do Mundo apenas tenta retratar a realidade de uma família disfuncional, de maneira crua e intensa ao extremo.


Pequenos detalhes são escondidos na tela, auxiliando na atmosfera sufocante intencional do filme – como o uso excessivo do calor em cena, passando a impressão de que o suor exorbitante irritava mais os personagens, remetendo brevemente ao artifício semelhante utilizado em O Grande Gatsby de 1974. Os diálogos, não relacionados aos conflitos, são ao estilo de Xavier Dolan – carregados de leve poesia em meio às divagações dos personagens, como na cena em que Suzanne mostra seu quarto a Louis e confessa seus pensamentos nostálgicos. A fotografia de André Turpin (Incêndios e Mommy) é levemente detalhista, em cada cenário uma cor se destaca (como por exemplo, no quarto de Suzanne a paleta de cores é mais voltado à tonalidade azul e o jantar final é voltado para o tom amarelado) e em lugares abertos, há um ótimo proveito de luzes naturais. A cinematografia segue o mesmo estilo dos filmes de Dolan, com traços que lembram o cinema de Wes Anderson, com enquadramentos bem pensados, mas com jogos de câmera simples.

Sendo bem dirigido por Xavier Dolan (Mommy e Laurence Anyways), o longa-metragem segue as principais características do diretor explorando as boas atuações e sobretudo as expressões de cada ator, mantendo o foco da narrativa principalmente na complicada relação entre os membros da família. A edição e a montagem estão boas, auxiliando na cinematografia cuidadosa – um detalhe interessante, é como essas qualidades técnicas prezam os enquadramentos que pegam mais o perfil ou o rosto de forma parcial, geralmente com a câmera um pouco acima da altura dos atores e apontada de maneira inclinada para baixo, dando um aspecto enigmático ao filme, como se fosse possível apenas enxergar um “lado” de cada personagem enquanto o outro está tão amargamente escondido que não pode ser visto. Falando em palavras gerais, este é um filme de Xavier Dolan. Claramente, não o seu melhor, mas que cultiva todas as particularidades e sensibilidade do diretor, que tenta sair da sua zona de conforto e fazer algo que não havia tentado antes.
“Da próxima vez, nos preparamos melhor” diz a mãe dos três irmãos no meio de uma estranha e confusa discussão envolvendo a partida de Louis, após a realidade do tão esperado reencontro da família ser muito diferente daquilo que eles mesmos idealizaram. Com uma subjetividade gradualmente vaga, É Apenas o Fim do Mundo se desponta como um filme incerto e parcialmente vazio, que pode tanto agradar como desapontar quem assiste, dependendo do ponto de vista que o espectador o vê.


Título Original: Juste la fin du monde

Direção: Xavier Dolan

Elenco: Gaspard Ulliel, Léa Seydoux, Marion Cotillard, Vincent Cassel, Nathalie Baye

Sinopse: Um escritor vai ao encontro de sua família após 12 anos para informá-los que irá morrer em breve. O passado ressurge de maneira implacável e a situação acaba saindo do controle.

Trailer:


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