Crítica: Passageiros (2016, de Morten Tyldum)

Passageiros talvez seja a oportunidade perfeita para se analisar
qual é a relação do público casual de cinema com o grau de exigência dos cinéfilos
e críticos. O que é necessário para que se consiga levar uma grande quantidade
de público para os cinemas e, o mais crucial, qual a maneira de se contar uma
história que mais tem chance de atingir o expectador mais casual? Não precisa
muito. Desde o nascimento do Cinema, uma “boa história”, a que se prova mais
rentável, é a que consegue aliar as fórmulas mais usadas na dramaturgia com o
espetáculo visual e rostos de astros da grande indústria. As reações nas salas
de cinema, ao término da sessão de Passageiros, evidenciam bem que a maior
parte das pessoas, os expectadores casuais, ainda estão bastante satisfeitos
com uma história fechada, simples e segura demais, e este filme é só isso, para
o bem ou para o mal.



O longa se passa num futuro distante onde uma gigantesca
nave espacial leva milhares de pessoas em cápsulas de sono, da Terra para outro
planeta colônia, numa viagem que irá durar 120 anos. Programados para acordar
de suas vidas pausadas faltando 4 meses para chegar ao destino, um dos
tripulantes desperta bem mais cedo que o esperado após um defeito na nave. Ao se
ver sozinho e ainda com 90 anos para o término da viagem, o homem é obrigado a
ser ver diante da possibilidade de viver toda sua vida confinado num mesmo
espaço.



A própria premissa já estabelece um excelente ponto de
partida para um dilema suficiente para sustentar um bom drama: como prosseguir
com sua vida sabendo que ela está fadada a ser totalmente solitária e
claustrofóbica? Durante o ato inicial do filme, até que conseguimos nos
investir neste dilema de James Preston (Chris Pratt). A sensação de um grande
espaço vazio e opressor ao mesmo tempo é estabelecido com sucesso pelo filme. O
ambiente estéril e luxuoso é um bom contraste para o vagar solitário de James.
A partir do momento em que Aurora Lane (Jennifer Lawrence) entra em cena, a narrativa
começa a delimitar claramente seu caminho. O problema é que ela se mostra o
mais confortável e previsível possível.


Diante as possibilidades que a premissa oferece, o roteiro
de Jon Spaihts (do igualmente problemático roteiro de Prometheus) acaba
escolhendo se escorar na fórmula mais básica do romance, só que ambientando no
espaço, ao invés de dar continuidade aos questionamentos e abordagem iniciados
nos seus primeiros 40 minutos. Ao longo do filme, é perfeitamente possível, com
um pouco de bagagem cinematográfica, perceber praticamente todos os recursos de
roteiro utilizados por Spaihts e como eles transformam o filme numa narrativa
episódica e previsível. Há o momento em que o dilema é estabelecido. O primeiro
obstáculo (do qual não falarei para evitar spoilers) é praticamente telegrafado
e mesmo assim o roteiro o trata como uma súbita revelação. O segundo ato é
simpático e é onde estão os melhores momentos do filme. Já o conflito que
inicia os acontecimentos do terceiro ato é, além de clichê, um mero artifício
para impulsionar o caráter novelesco do romance principal.




Aí voltamos na questão da fórmula. O filme dificilmente pode
ser chamado de ficção científica, já que a maior parte do caráter futurista e
científico acaba virando mera ambientação. Como drama de questionamento, ele se enfraquece por parecer não acreditar na própria capacidade de desenvolvê-lo. Como
romance, que é verdadeiramente o “gênero” predominante, soa bastante genérico e
previsível, o que nos leva a pensar que o resultado é desastroso. Bom,
aparentemente para o público casual, não é. O filme está com uma relativa boa recepção. Atualmente está com 70% de aprovação popular no Rotten Tomatoes,
diferente da crítica e dos cinéfilos, que continuam a massacrar o filme nas principais
mídias jornalísticas e na internet.

A verdade é que apesar dos problemas, Passageiros ainda
consegue se sair razoavelmente bem graças à performance da dupla principal.
Ainda que falte a Chris Pratt um pouco de experiência para suportar uma carga
dramática mais intensa e um longo tempo de tela sozinho (só lembrar de Tom
Hanks em Náufrago, que é referência no quesito) é inegável que o ator tem
carisma e capacidade para encantar a maior parte do público, principalmente
pelo seu ar de dignidade natural e seu ótimo timing cômico (só conferir Parks and Recreation). Já Jennifer Lawrence é mais talentosa quando se trata de
representar os momentos mais intensos do filme. Embora o roteiro não a permita
explorar muito a fundamentação de sua personagem, a atriz confere força a
Aurora e acaba sendo o ponto de ligação emocional mais forte com o público. A interação entre James e Amanda tem certo poder de cativar, ainda que tenha sido usada como motor principal do longa quando resolveu abandonar suas outras pretensões.



Embora a concepção narrativa do diretor Morten Tyldum (mesmo
do problemático Jogo da Imitação – sim, eu sei que sou minoria e me desculpem
por isso) seja tão convencional quanto o roteiro, há alguns bons momentos
envolvendo orquestração visual, principalmente em certas sequências que
envolvem perda de gravidade. O uso da concepção artística e espacial da nave é
bem explorado pela câmera de Tyldum, onde sempre é possível que entendamos a
escala da opressão que o ambiente exerce em seus personagens.



O que melhor define Passageiros é chama-lo de convencional e
genérico demais. Faz parte da democracia do cinema que o público ainda prefira
o formulaico e o confortável enquanto outros queiram histórias e narrativas
mais desafiadoras. Não há nenhum mau julgamento nisso, mas também não é difícil
aumentar seu grau de exigência quando há cada vez mais filmes sendo feitos por
aí.

Título Original: Passengers


Direção: Morten Tyldum


Elenco: Jennifer Lawrence, Chris Pratt, Michael Sheen, Laurence Fishburne, Andy Garcia


Sinopse: Uma nave espacial transporta milhares de pessoas para um
planeta colônia. Uma avaria em uma de suas câmaras de sono faz com que um único passageiro seja despertado 90 anos antes de qualquer outra
pessoa. Diante da perspectiva de envelhecer e morrer sozinho, ele acaba encontrando um segundo passageiro, marcando o início do que se torna uma
história de amor única.





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