Crítica: O Nascimento de uma Nação (2016, de Nate Parker)



Despencando de uma das promessas a favorito ao Oscar a apenas mais um filme de 2016, O Nascimento de uma Nação é um bom longa, mas que acaba sendo um tanto problemático por pecar tanto no excesso como na falta de qualidades técnicas. Partindo de uma impressionante história verídica, a nova produção do cineasta Nate Parker tinha tudo para dar certo, mas se perde em meio à sua própria ambição.

O Nascimento de uma Nação conta a história de Nat Turner, um escravo que por saber ler desde pequeno, recebe  a permissão de poder ler o único livro o qual os negros podem conhecer, a Bíblia. Quando cresce, Nat acaba se tornando um fazendeiro e pregador, que por ter sucesso ao conduzir as rezas de seu grupo, acaba se tornando conhecido até pelos donos brancos de outras fazendas, levando Nat a conhecer mais terríveis atrocidades as quais os negros são submetidos em uma época tão desumana e desesperadora.

O primeiro ato do filme é muito fraco, não há jeito de escrever de outra maneira. Sua meia hora inicial é confusa e acelerada, com erros simples que prejudicam o enredo e a construção do protagonista. O filme passa a impressão de ser mal executado (sobretudo nesse inquietante início), com uma edição fraca com cortes constantes desnecessários – que só servem para deixar o espectador cansado – e com uma montagem que deixa muito a desejar. A ambientação é outro ponto fraco, os figurinos são ruins tendo o aspecto de serem muito limpos e arrumados. E para a reconstrução de tal época retratada (em meados de 1800), era preciso de mais atenção em algo tão óbvio.


Parecendo aprender com seus próprios erros, O Nascimento de uma Nação é um filme que demora para engrenar, crescendo e melhorando apenas a partir do fim de seu segundo ato. De um começo desorientado e sem rumo, o longa parte para uma narrativa mais densa e interessante, focada em bons e simbólicos diálogos liderados pelo protagonista Nat Turner. Com um roteiro que oscila demasiadamente, há uma incômoda má condução de atores que interpretam personagens passageiros na trama, gerando inúmeras atuações genéricas que prejudicam imensamente o filme, que por tratar de um tema tão sério e de peso, precisava de um cuidado extra por parte do diretor – a cena em que Nat entrega para uma menina sua boneca é um grande exemplo que evidencia todos esses erros técnicos.
Sua direção é simples e direta, focada em enquadramentos levemente distantes. O diretor tenta, esporadicamente, focar em takes detalhistas que não funcionam devido à má edição. Entre as atuações principais apenas se salva o próprio Nate Parker como o protagonista Nat. Até mesmo a conhecida Aja Naomi King (How to Get Away with Murder) parece fora de sintonia de sua personagem Madison, com um sotaque forçado e uma voz afinada. Colman Domingo (Fear the Walking Dead) como Bark e Armie Hammer (Animais Noturnos) como Samuel Turner também não entregam boas atuações.


Em relação às fracas qualidades técnicas, há uma ressalva: a fotografia de Elliot Davis (Aos Treze e A Dama de Ferro). Focando-se em tonalidades frias que auxiliam no tom sério e realista do enredo, é um acerto do filme. No entanto, o uso de cores realçadas quando anoitece é levemente exagerada – principalmente na cena do sonho de Nat. As cenas em que é posto em prática as brutalidades da escravidão são fortes e impactantes (mas se tratando de tal assunto, difícil não ser).

É interessante a crítica – e muito bem elaborada – que o filme faz referente ao uso da religião como forma de “cegar” seus crentes, assim como na cena em que o fazendeiro Samuel Turner empresta o pregador Nat para outra fazenda a fim de usar as diferentes formas de interpretação dos versos da Bíblia para manipular (e aquietar, como é insinuado no filme) os escravos. O uso de passagens do livro sagrado referentes à escravidão e de como o escravo deve se comportar perante seu “dono” é engenhosa e serve para levantar questões válidas envolvendo o fanatismo religioso. Além da forte ironia da cena em que Nat reza uma passagem sobre Deus proteger os justos na mesa de jantar onde apenas os brancos têm direito a um lugar para se sentar.


Devido às polêmicas em torno do cineasta Nate Parker, há alegações de elas seriam usadas como motivos para ofuscar O Nascimento de uma Nação das grandes premiações dessa temporada. No entanto, o filme por si só desmente isso por simplesmente não entregar tudo aquilo que prometia, devido a inúmeros erros auto-infligidos. A nova produção de Nate Parker se vendia como um filme forte, impactante e ousado (principalmente ao utilizar o mesmo título do filme mudo de D.W. Griffith, considerado o mais racista da história do cinema, onde os integrantes do grupo racista Klu Klux Klan são considerados como heróis) sobre a escravidão. Era esperado ver um longa tratar desse tema sob um novo ângulo. E apesar da história se basear em impressionantes fatos reais da vida de Nat Turner, falta melhores aspectos ao longa em todos os quesitos técnicos que prejudicam demais a trama.

Ao todo é um bom filme com um tema importantíssimo, mas que desperdiça muito de seu potencial com contínuas falhas. E ao comparar o longa de Nate Parker com outros dessa temporada (e até mesmo com os filmes recentes que compartilham o mesmo tema) é impossível não notar que O Nascimento de uma Nação está (muitos) passos atrás.


Em uma tentativa falha em ser o próximo 12 Anos de Escravidão, O Nascimento de uma Nação tropeça em suas próprias pernas ao ser mal conduzido por Nate Parker. E por mais que tenha seus altos e baixos, não impressiona como prometia e pode ser resumido em algumas cenas fortes. E mesmo usando violência e sangue para impactar no último ato do filme, a cena mais poderosa que dialoga diretamente com o tema do longa envolve apenas duas crianças, uma branca e uma negra, ligadas por uma corda no pescoço.

Título Original: The Birth of a Nation

Direção: Nate Parker

Elenco: Nate Parker, Gabrielle Union, Armie Hammer, Aja Naomi King, Penelope Ann Miller, Jackie Earle Haley, Mark Boone Jr., Colman Domingo, Aunjanue Ellis, Roger Guenveur Smith, Katie Garfield, Griffin Freeman, Tom Proctor, Aiden Flowers, Brad Schmidt, Chiké Okonkwo, Esther Scott, Jason Stuart, Dwight Henry, Dominic Bogart, Cullen Moss, Hank Stone, Ryan Mulkay, Jeryl Prescott, Danny Vinson, Steve Coulter, Kelvin Harrison

Sinopse: Nat Turner, um escravo letrado e pregador, é usado pelo seu proprietário Samuel Turner para acalmar os escravos rebeldes. Depois de testemunhar inúmeras atrocidades, no entanto, ele decide elaborar um plano e liderar o movimento de libertação do seu povo.

Trailer:

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