Crítica: Estranhos Prazeres (1995, de Kathryn Bigelow)





Kathryn Bigelow é uma das poucas mulheres diretoras que tem reconhecimento por parte da crítica e a única a ter um Oscar de Melhor Direção. Seus últimos 2 trabalhos envolvendo a guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo foram premiados. São eles: ‘Guerra ao Terror’ (2009) e ‘A Hora Mais Escura’ (2012). Mas aqui vai a confissão deste cinéfilo: sou apaixonado pelo início da carreira desta diretora, com filmes envolventes e originais. ‘Caçadores de Emoção’ é um intrigante filme policial de 1991. Mas este ‘Estranhos Prazeres’, de 1995/1996 é uma excelente obra e esquecida na maior parte. A obra tem a produção do mestre James Cameron (de Avatar), marido de Bigelow na época. Trata-se de uma ficção científica profética e apocalíptica, que nos transporta para dentro de um universo realisticamente psicodélico e lotado de ambiguidade e interpretações. Um filme difícil de acompanhar; e que para a maioria será sem nexo. É preciso estar atento em alguns detalhes e fatos da época de seu lançamento para entender o que a obra propõe. Feito isso você verá que este é um daqueles filmes incríveis que deveria ter mais atenção do que recebeu.



Na trama, o talentoso  Ralph Fiennes interpreta Lenny Nero, um tipo de contrabandista de CD’s neurais. Conectados mentalmente, o cliente que paga pelo serviço vive uma ilusão virtual onde ele presencia e compartilha de sentimentos e memórias de outra pessoa. Assim qualquer cidadão pode fazer qualquer tipo de coisa mentalmente, sem se comprometer com o mundo real. Acontece que este procedimento é ilegal e viciante, como uma nova droga. Tudo muda quando um destes CD’s contém imagens de uma prostituta sendo estuprada e morta, levando assim Nero a se juntar com sua velha amiga Mace (a ótima Angela Bassett). Juntos, eles chegarão até o amor de Nero, a cantora Faith – magistralmente interpretada pela queridinha dos anos 90, Juliette Lewis. Entre reviravoltas, cenas chocantes e um brilhante roteiro que te confunde a cada nova informação, somos apresentados à uma Los Angeles caótica, perdida no submundo da noite e eletrizada pela virada do milênio – afinal a estória e passa na virada de 1999 para 2000. Complexo não?



Mas refletindo-se melhor, o filme não é tão complexo assim. Acontece que durante os anos 90 foram feitas inúmeras obras com a temática “virada do milênio” e suas possibilidades. Diferente dos demais filmes que trouxeram o fim dos dias, profecias bíblicas e grandiosas catástrofes, ‘Estranhos Prazeres’ traz uma visão bem mais sutil do futuro. Não há grandes acontecimentos globais. Tudo é muito mais pessoal, há a deterioração da moral humana diante tal tecnologia. Há a violência, o vício e as relações inacabadas. Então a visão profética de um novo milênio é inserida de maneira bem mais peculiar e simples, levando a questões de cunho mais sócio-econômico. A ação em momento nenhum é exagerada e apenas serve de tempero para o suspense não perder o ritmo. Ao longo de mais de duas horas e 15 minutos, o filme mantém-se interessante e ousado. 


Talvez o único deslize da diretora tenha sido no final, onde apresenta uma solução rápida demais e uma cena mal feita envolvendo a queda de uma personagem. No restante o filme acerta em cheio e traz reflexões interessantes. O mundo vivia cheio de temor à margem de um novo milênio, vivia intrigado com as possibilidades de novas tecnologias como o celular, a internet e o CD, estavam as drogas e a violência urbana se propagando. Tabus eram quebrados e o avanço era rápido. Os anos 90 foram de transição para algumas novas coisas, que na maioria acabaram sendo negativas. Portanto Kathryn Bigelow sabiamente entrega esta obra no momento certo, bem antes de ‘Matrix’, que iria desenvolver mais afundo as questões tecnológicas e proféticas. Mesmo sendo “pré-matrix”, o filme já dá indícios das características “cyberpunk” e “hardcore virtual” que viriam a seguir.


‘Estranhos Prazeres’ se foca no desejo humano, suas características primitivas e o quanto isso pode ser viciante e perigoso. Faz isso através de um suspense e uma linguagem psicodélica gélida e ousada. Um filme onde cada cena mostra o caos e a imperfeição da sociedade. Questões sobre racismo, política e polícia corrupta são postas em xeque. E fica a pergunta: até onde a curiosidade e a satisfação dos desejos mais secretos podem nos levar? Uma intrigante obra metalinguística muito bem dirigida e atuada. Um filme muito pouco conhecido, mas que merece ser visto e interpretado. Afinal, nossa realidade é repleta de ‘Estranhos Prazeres’.


NOTA: 9






Direção: Kathryn Bigelow


Elenco: Ralph Fiennes, Angela Bassett, Juliette Lewis, Tom Sizemore, Michael Wincott, Vincent D’Onofrio, William Fichtner, Glenn Plummer, Brigitte Bako, Josef SommerNicky Katt, Richard Edson, Michael Jace, David Packer.


Sinopse: nos últimos dias de 1999 em Los Angeles, um ex-tira (Ralph Fiennes) negocia com CDs contendo informações sobre emoções e memórias de outras pessoas. Desta maneira, um homem casado “vai para cama” com outra mulher e não é infiel. No entanto, quando um disco que contém informações gravadas por uma prostituta assassinada que testemunhou um crime vai parar nas mãos deste ex-policial sua vida corre perigo, pois se o conteúdo for revelado uma reação popular inimaginável pode acontecer na cidade.




Assista ao insano trailer:




Canção Hardly Wait, por Juliette Lewis:



Canção Strange Days – Peter Gabriel & Deep Forest:

  

  



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